(inspirada em http://www.ling.upenn.edu/~rnoyer/dm/)

(1) O que é Morfologia Distribuída?

A Morfologia Distribuída (DM, do inglês Distributed Morphology) é um dos desenvolvimentos da Teoria Gerativa, embora seja uma versão não-lexicalista. Seu marco inicial foi a publicação do artigo de Moris Halle e Alec Marantz Distributed Morphology and the Pieces of Inflection, no ano de 1993. A partir desse artigo, muitos trabalhos, frutos da orientação desses pesquisadores, surgiram no decorrer da década de 90 e vêm inspirando novos pesquisadores que desenvolvem seus projetos de análise linguística dentro desse modelo. Entre esses trabalhos podemos destacar os de: Heidi Harley, David Embick, Rolf Noyer e Martha McGinnis. Nesse modelo, palavras e sentenças são formadas através dos mesmos mecanismos sintáticos. A sintaxe é, então, o único componente gerativo do sistema.

(2) Como era antes da Morfologia Distribuída?

A Morfologia Distribuída surge como alternativa de análise a modelos conhecidos como lexicalistas. O Lexicalismo é centrado na hipótese da existência de um repositório – o léxico – que contém palavras já formadas e que são inseridas na sintaxe. Duas correntes de análise se destacaram dentro dessa perspectiva: (a) o Lexicalismo Forte: palavras derivadas e palavras flexionadas são formadas no léxico e (b) O Lexicalismo Fraco: palavras derivadas são formadas no léxico e palavras flexionadas são formadas na própria sintaxe. Nas duas versões da teoria lexicalista, são postulados dois espaços gerativos na arquitetura da gramática: o próprio léxico e a sintaxe.

(3) Como é a Morfologia Distribuída?

A Morfologia Distribuída vem, então, para tentar eliminar essa redundância do sistema, através de um modelo mais simples de gramática. A principal mudança, e aposta da teoria, estão na assunção de que as mesmas operações que formam as sentenças são capazes de formar palavras. Essas operações são Merge (Concatenar) e Move (Movimento), as mesmas operações assumidas pelo Programa Minimalista. A Morfologia Distribuída assume, ainda, que as informações de natureza morfológica, antes concentradas no léxico, não precisam estar limitadas a esse componente e, assim, exibir um caráter imutável; elas podem estar distribuídas entre os componentes da gramática. Tal mudança constitui uma vantagem para explicar as mudanças morfológicas introduzidas por fenômenos fonológicos e sintáticos. Assim, esse modelo de análise de expressões linguísticas sugere que todo o processo de formação de palavras ou sentenças ocorre no componente sintático, com possíveis alterações em um componente morfológico, pós-sintático. O abandono do léxico como um local gerativo e o tratamento sintático para a formação de palavras, tornam necessária uma reformulação da arquitetura da gramática. Uma das propostas existentes na literatura está em Siddiqi (2009:14) e é reproduzida na figura 1 abaixo.

A estrutura da gramática em Morfologia Distribuída

Fig. 1: A estrutura da gramática em Morfologia Distribuída

(4) O que foi distribuído?

O que era antes informação tipicamente atribuída ao Léxico foi distribuído para diferentes lugares da gramática. Assim, a Morfologia Distribuída conta com três listas:

(a) Lista 1 (Morphosyntactic features na Fig. 1) – pode ser vista como um léxico reduzido, pois contém os primitivos com os quais a sintaxe opera, mais especificamente, raízes e traços morfossintáticos (exemplo: traço de tempo, de número etc.). Tais traços são puramente abstratos, ou seja, desprovidos de conteúdo fonológico. Quanto às raízes, é grande a discussão em torno da presença ou ausência de fonologia nesses itens.

(b) Lista 2 (Vocabulary na Fig. 1)– conhecida como Vocabulário, essa lista é responsável pelas regras que associam contextos sintáticos a materiais fonológicos, ou seja, traz os expoentes fonológicos com a especificação de seu contexto de inserção; são os chamados Itens de Vocabulário.

(c) Lista 3 (Encyclopedia na Fig. 1)– conhecida como Enciclopédia, a lista 3 contém entradas enciclopédicas que relacionam itens de vocabulário a significados e abriga informações extralinguísticas, relacionada à interpretação semântica dos elementos já gramaticalmente formados.
 

(5) Quais são as propriedades da Morfologia Distribuída?

Três propriedades importantes definem o modelo da Morfologia Distribuída:

(A) Inserção Tardia – refere-se à hipótese de que expressões fonológicas de terminais sintáticos são fornecidas no mapeamento para a Forma Fonológica (PF), quando tais terminais passam pela chamada Inserção de Vocabulário (regras que ligam conteúdos fonológicos a contextos sintáticos). 
(B) Subespecificação – hipótese de que as expressões fonológicas não precisam conter todos os traços presentes nos terminais sintáticos. Assim, a sintaxe gera especificações que podem estar ausentes no Item de Vocabulário e mesmo assim esse último pode ser inserido. O que não pode acontecer é a peça fonológica ter traços morfossintáticos que não estão presentes na derivação gerada pela sintaxe.
(C) Estrutura Sintática all the way down – é o princípio que garante que, tanto na formação de palavras quanto de sentenças, os itens de vocabulário são inseridos em estruturas hierárquicas geradas pela sintaxe. A Morfologia Distribuída está baseada na proposta de que os elementos da sintaxe e da morfologia são entendidos como discretos em vez de resultados de processos morfofonológicos. Não há necessidade de derivações ou processos pré-sintáticos.
 

(6) Como funciona a Morfologia Distribuída?

De forma resumida, nesse modelo, a sintaxe trabalha com os traços abstratos da lista 1 (devidamente agrupados em uma numeração, como sugerem Harley & Noyer, 1999) e gera uma estrutura sintática hierárquica. Os nós terminais podem ser derivados pela sintaxe ou inseridos como morfemas dissociados no componente morfológico, antes da inserção de Itens de Vocabulário. São, portanto, especificados com traços morfossintáticos. Há somente duas classes de nós terminais: raízes (√s, l-morphemes – lexical morphemes) e elementos gramaticais (f-morphemes – functional morphemes). As raízes se incorporam a outros elementos e projetam √P. As raízes são acategoriais, e são os f-morfemas (n, a, v - categorizadores) com que se relacionam na sintaxe que determinam sua categoria sintática: por exemplo, para se ter um verbo, será necessário concatenar uma raiz com uma categoria do tipo de v.
Exemplo (simplificado) da formação de uma palavra complexa CONVERSACIONAL a partir da raiz acategorial:

A Gramática pela Morfologia Distribuída (Harley e Noyer, 1999:3)

Figura 2: A Gramática pela Morfologia Distribuída (Harley e Noyer, 1999:3)

REFERÊNCIAS

(7) Algumas referências de base:
HALLE, M. & A. MARANTZ. 1993. Distributed morphology and the pieces of inflection. The View from Building 20, edited by K. Hale & S.J. Keyser, 111–176. Cambridge, Mass.: MIT Press.
HARLEY, H. & R. NOYER. 1999. State-of-the-Article: Distributed Morphology. Glot. International 4.4, pp 3-9.
SIDDIQI, D. 2009. Syntax within the word: economy, allomorphy, and argument selection in Distributed Morphology. [Linguistik Aktuell/Linguistics Today 138]. Amsterdan: John Benjamins.